Revista Mercado e Negócios Advogados - Edição 41
A realidade do mercado de trabalho, especialmente na área jurídica, mudou. Ponto. Não importa se mudou para melhor ou para pior, qualificar essa mudança como boa ou ruim não facilita a contratação, a gestão nem a retenção de pessoas. Não melhora o nível de atendimento a seus clientes, a qualidade do trabalho nem aumenta o comprometimento das pessoas. Então, vamos deixar juízos de valor de lado e analisar o que efetivamente interessa.
Em primeiro lugar, devemos atentar para aquilo que mudou, para que então possamos entender como aproveitar essa mudança e transformá-la em uma vantagem competitiva, pois se as mudanças afetam a todos, quem aprender a lidar com elas de forma mais efetiva certamente se destacará na multidão.
AS MUDANÇAS
Não tenho a pretensão de analisar detidamente todas as mudanças do mercado de trabalho, suas origens exatas e precisas nem todas as suas implicações. Pelo contrário, apenas ressaltarei os aspectos que creio mais importantes e suas características mais notáveis, para que, em seguida, possamos prosseguir relembrando os objetivos dos escritórios e, por fim, sugerindo a adoção de medidas práticas para aproveitar ao máximo a situação atual do mercado.
O aquecimento do mercado de trabalho
O aquecimento da economia brasileira aumentou a demanda por serviços jurídicos, incrementando, em consequência, a demanda por profissionais qualificados. É verdade também que o número de cursos jurídicos cresceu a níveis assustadores, mas, infelizmente, não se pode dizer que todos os cursos formem profissionais aptos às exigências dos escritórios e de seus clientes.
Criou-se, portanto, uma situação bizarra, na qual milhares de bacharéis se formam anualmente, mas apenas uma parte consegue se habilitar para o exercício da advocacia. E mesmo dentre os habilitados existem muitos profissionais que não se encaixam em escritórios e irão seguir a carreira pública, corporativa ou mesmo desenvolver carreira solo.
Considerando que a Lei da Oferta e Demanda ainda não foi revogada, a consequência natural do aquecimento do mercado de trabalho é a valorização dos profissionais qualificados para trabalhar em escritórios.
A busca por equilíbrio e propósito
Para quem teve como paradigma os yuppies e workaholics, pode ser difícil reconhecer ou aceitar, mas as novas gerações são inspiradas por valores muito diferentes daqueles difundidos nos anos 80. A qualidade de vida, o balanço entre vida pessoal e profissional, a valorização do descanso e de outras atividades sociais hoje assumem importância sem precedentes em nossa história.
Para os profissionais mais novos, o custo emocional e social de trabalhar horas adicionais, de trabalhar aos fins-de-semana, de varar noites no escritório é infinitamente superior ao custo atribuído por profissionais nas mesmas situações há quinze anos.
E mais, muitos dos novos advogados buscam não só reconhecimento financeiro e qualidade de vida, mas também um propósito para seu trabalho, um motivo pelo qual ir trabalhar, uma inspiração. Preferem fazer parte de um grupo, com identidade e objetivo do que simplesmente de uma empresa.
Volatilidade
Tudo hoje é efêmero, é passageiro, especialmente profissionalmente. Dificilmente se encontra um jovem cuja ambição seja fazer parte de uma empresa por toda sua vida. Talvez as demissões em massa, a onda de downsizing ou simplesmente assistir a aflição de seus pais em relação à possibilidade de perder o emprego tenha deixado as novas gerações refratárias a essa ideia de vinculação a uma empresa por toda sua vida. Não sou antropóloga nem socióloga para explicar as causas desse fenômeno, mas é fato que hoje os profissionais criam com suas empresas vínculos muito mais efêmeros do que aqueles que antes se criava.
Feedback instantâneo
A cada ano que passa eu escuto mais profissionais se queixando da falta ou insuficiência de feedback. Francamente, não acredito que o volume ou a frequência de feedback tenham diminuído, o que aumentou foi a ansiedade, diminuiu a paciência para esperar um feedback formal e também a capacidade de entender feedbacks implícitos nas correções de trabalhos.
As gerações mais jovens estão inspiradas em videogames, no Facebook, no Twitter, ambientes nos quais ação e reação são instantâneas e explícitas. Se eles “postam” alguma mensagem ou foto no Facebook imediatamente alguém “gosta” ou “curte” ou “não gosta”. No videogame ação e reação são imediatas, se você for pelo caminho certo, se desempenhar bem, passa de fase, caso contrário você morre, perde uma vida, perde suas forças, sua munição ou seu combustível. Tudo visível, expresso na tela, em tempo real, sem atrasos.
Mal comparando, é isso que os profissionais mais jovens esperam, ver seus feitos reconhecidos de forma expressa, imediata, instantânea. Esperam também ver seus defeitos apontados, mas sempre com a possibilidade de recomeçar o jogo, tentar a etapa novamente, indefinidamente, até conseguirem passar, sem maiores ônus.
A queda das barreiras
Outro efeito das redes sociais é a percepção de que não existem mais barreiras. Você pode seguir o Presidente dos Estados Unidos no Twitter, fazer queixas ao presidente de uma multinacional por e-mail ou comunicar-se com um cientista do outro lado do mundo.
Todos são acessíveis (obviamente isso não é verdade, mas essa é a percepção que se tem) a qualquer momento. Níveis hierárquicos foram achatados e qualquer soldado raso pode exigir criticar do Comandante das Forças Armadas por determinada decisão.
OS OBJETIVOS DOS ESCRITÓRIOS
Sempre escuto a história de um professor de trigonometria que indicava o caminho para iniciar a resolução de qualquer problema. “Analise os dados de que dispõe e verifique o que precisa descobrir...”
Parece óbvio e talvez seja mesmo, mas a frequência com que nos perdemos na resolução de problemas, focando nossos esforços apenas no ponto de partida ou somente no de chegada, somente demonstra seu brilhantismo.
Então devemos definir o que os escritórios esperam de seus profissionais para que possam ser endereçadas as medidas mais adequadas para o sucesso desse relacionamento, tendo em vista todas as mudanças que apontamos anteriormente.
Atrair, reter e rentabilizar clientes
Os autores Heskett, Sasser e Schlesinger1 acertadamente identificaram uma vinculação direta entre a satisfação dos funcionários ou colaboradores de uma empresa com a satisfação de seus clientes. A esse fenômeno, deram o nome de Espelho de Satisfação.
Se o Espelho de Satisfação expressa uma verdade e, empiricamente, sabemos que expressa, então podemos concluir que uma das formas de investir na captação, retenção e rentabilização de nossos clientes é investindo na satisfação de nossos colaboradores.
Minimizar os custos e maximizar o retorno
Escritórios, como se sabe, não são entidades filantrópicas e embora não tenham caráter mercantil, para manter suas atividades e seus sócios, visam o lucro, não como fruto da exploração de ativos, mas pelo desempenho de uma atividade profissional.
Resumidamente, podemos que dizer que existem duas formar de aumentar os lucros. Por um lado, os custos podem ser reduzidos, por outro, o retorno pode ser maximizado, com ganhos de produtividade, de qualidade e de valor agregado.
NOSSA PROPOSTA DE ABORDAGEM
Defina sua proposta de valor
Algumas das características que apontamos nos novos profissionais jurídicos já nos indicam que seus anseios não estão circunscritos à esfera financeira, pelo contrário, suas aspirações são muito maiores e mais complexas, envolvem qualidade de vida, sentimento de propósito e de pertencimento, livre comunicação etc.
Mais do que nunca, portanto, é importante que você defina claramente sua proposta de valor (e não de salário) para as pessoas que contrata. Apenas para recordar, valor pode ser definido pela diferença entre os benefícios e ônus envolvidos em determinada proposta.
Assim, para uma pessoa que está sendo contratada, os ônus envolvem as horas indisponíveis para outras atividades, inclusive o tempo perdido no trajeto, um ambiente hostil, falta de feedback, hierarquia rígida, falta de treinamento, falta de objetivos explícitos e comuns.
Por outro lado, além dos benefícios financeiros como salário, vale-refeição, vale-transporte e convênio médico, são entendidos como benefícios programas de treinamento, possibilidade de acesso aos sócios, um planejamento estratégico claro e devidamente divulgado, ambiente estimulante, possibilidade de crescimento e assim por diante.
Formule sua proposta claramente demonstrando o que você oferece, que tipo de treinamento disponibiliza, como ocorre a comunicação e o feedback, os desafios que a pessoa irá enfrentar e assim por diante. Mas não se esqueça também de deixar claros os ônus, o comprometimento que você exigirá, as horas adicionais de estudo que serão necessárias...
De qualquer modo, em primeiro lugar, você deve ter clareza do que você e seu escritório representam e do que esperam atingir.
Mantenha o foco nas pessoas e não nas carreiras
Quando se trata de gestão de pessoas muitos profissionais jovens se queixam da falta de um plano de carreira bem definido. Devemos ter em mente, contudo, que as reclamações que recebemos nem sempre expressam claramente a real necessidade do reclamante.
Se um profissional ou grupo de profissionais se queixa da falta de um plano de carreira, a solução não é preparar um descritivo de funções com pré-requisitos mínimos e níveis de salário.
O que as pessoas querem e esperam é que o escritório lhes apresente um plano de gestão de suas carreiras, individualmente, e não um apanhado de regras genéricas e esgarçadas para poder abranger a todos, em todos os momentos.
Uma verdadeira gestão de carreira, individualizada, envolve:
1.A definição clara das atribuições, das responsabilidades e recompensas da pessoa na atual função;
2.As competências ou habilidades que precisam ser desenvolvidas para que o desempenho na atual função seja melhorado ou para que uma nova função seja alcançada;
3.Um roteiro de treinamentos, internos ou externos, aos quais a pessoa deverá se submeter para que possa incrementar suas habilidades ou competências;
4.A definição do perfil da próxima função a ser galgada, com atribuições, responsabilidades e remuneração;
5.A prática constante de feedbacks, formais e informais.
Crie uma rotina de seleção, treinamento e realocação
Definindo sua proposta de valor e gerenciando individualmente as carreiras das pessoas você terá melhores condições de contratação e de retenção, mas isso não lhe garante que os melhores profissionais continuarão com você para sempre. Simplesmente aceite esse fato.
Portanto, você não tem outra saída a não ser sistematizar uma rotina de seleção e treinamento. Pelo que tenho visto, devido à crescente especialização no direito, está cada vez mais difícil contratar profissionais que atendam exatamente todas as exigências de formação da função que irão desempenhar.
Nesse contexto, considere que as chances de você achar o profissional com tudo o que você espera são muito baixas. Busque então selecionar as pessoas por suas qualidades pessoais e não necessariamente por seu conhecimento prévio. Lembre-se, você não conseguirá mudar o que uma pessoa é, mas você pode lhe transferir conhecimento.
Procure alguém que tenha facilidade em aprender, que se encaixe no ambiente de seu escritório, que goste da área em que vai atuar, que escreva bem ou pesquise bem ou seja boa em contatos com órgãos públicos ou com clientes, ou que seja organizada e metódica, ou criativa, que seja detalhista ou holista e assim por diante.
Naturalmente, essa regra deve ser aplicada de forma mais abrangente quanto menor for o nível do profissional que você está contratando, mas também se aplica, em certa medida, em níveis mais elevados. Todavia, para níveis de gerencia, naturalmente, será muito melhor se você puder captá-lo em outros níveis da sua própria estrutura, pois isso reduzirá a necessidade de treinamento e de adaptação.
Além disso, especialmente para estagiários e profissionais recém-formados, recomendo sempre que seja facultada a realocação para outras áreas dentro do mesmo escritório. Afinal, isso possibilita manter um talento dentro do escritório, ainda que em outra área. Muito pior seria se as duas áreas tivessem que procurar novos talentos.
RESUMINDO...
Em suma, não é só para você que está difícil contratar e reter, de modo que se você aproveitar essa oportunidade poderá transformá-la em um diferencial competitivo.
Para isso você precisa definir com precisão sua proposta de valor para quem contrata, iniciando, obviamente, por esclarecer o que é seu escritório e o que ele busca. Entenda que a rotatividade faz parte da vida, pelo menos por enquanto, então crie mecanismos constantes de seleção e treinamento e, por fim, mas não menos importante, gerencie as pessoas e não cargos e salários.